sábado, 25 de dezembro de 2010

ESCORPIÃO

Sempre fui uma mentirosa ao dizer que nunca sofri. Na verdade, eu sofro demais, da mesma maneira como me regozijo. Eles apenas nunca deixaram as coisas serem reais para que eu considerasse a dor verdadeira e a admitisse. Acabamos fazendo, os outros e eu, disso um jogo. Arranhamos os corações um dos outros, sangramos e depois de uma dose e de um comprimido já estamos bem. Acordamos novamente para a mesma rotina de jogatinas de amor esperando alguma espécie de resgate.
Às vezes a covardia inibe as coisas: Onde está aquele beijo que você me negou?
Isso deixa as coisas mais intensas, deixa meu ódio mais vivo e minha vontade mais quente. Faz com que eu pinte retratos lascivos de nós dois na minha cabeça.
Eu sonhei... Eu quis sincronizar nossa respiração e disparar as batidas do seu coração para depois paralisar tudo por um momento. Ataque cardíaco! Eu quis nossos quadris em sincronia, minha mão na sua nuca; meus dedos se enroscando no seu cabelo. Puxe!
Eu quis seus defeitos e sua feiura, afinal é isso que o amor é: cruel. Você quis minha doença e, afinal é isso que o amor é: loucura. A loucura quis o amor, afinal é isso que loucura é: realidade. Beleza, felicidade, calmaria, segurança, aparências, tudo isso é o que o nosso amor não é. Mais ainda podemos ter um pouco de diversão, eu só preciso de uma chance.
Uma chance, não é muito para negar.

AMOR

Meu amor, sereno e eterno.








Malu

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Que moço é esse?

Por Danielle Corrêa

Que moço é esse que desatina os meus sonhos;

Que resplandece o prazer dos risos mais risonhos?

Que moço é esse que vem e vai?

Exalando a beleza que não passa, não sai.



Entre o aljôfar do semblante

Exprime o brilho do mármore penetrante.

E sem ao menos notar,

Seus olhos brilham ao falar



Que moço é esse de voz doce e suave?

-Que domina os meus olhos e não sabe.



E nem eu mesma sabia

Que de homem e menino exibia.

Que moço é esse que vaga

Nos raios fúnebres que nunca o apaga?



Que moço é esse que diz e não diz?

Que não quer o que quis?

Que moço é esse que some e aparece?

Que se faz feliz e se envaidece?



Que moço é esse que eu não sei?

Que moço é esse que tanto busquei?



Que moço é esse que é perigo?

-Que desperta desejo, ainda que, amigo.

E de repente, do nada

Diz tudo com a boca calada...

domingo, 31 de outubro de 2010

EM BREVE






NOSSO PROJETO DE HQ.








Prólogo a Shakespeare

Tomei a liberdade de fazer alguns gracejos na minha monografia, dentre eles, fiz um prólogo a Shakespeare, texto que estou colocando aqui. Cito o conto Píramo e Tisbe, parte da mitologia romana que ficou conhecido através de Ovídio em seu livro Metamorfoses. Para ilustrar melhor, coloco também um trecho que explica o conto.

PRÓLOGO A SHAKESPEARE

Estou para Shakespeare como Tisbe está para Píramo, Shakespeare está para mim como Píramo está à Tisbe. Uma fenda na parede do tempo permite que poesia e admiração se comuniquem através de olhares, assim como permitiu o florescimento da paixão entre os amantes. A ruptura com o meu tempo permite que eu me aproxime do seu; a visão é pequena, desfocada e confusa. Ora, é a apenas a visão que a fenda me permite. O lapso da integridade dessa parede, dentro do que posso enxergar, me faz ter a ideia do que é você. Talvez seja uma visão idealizada dentro do que possa ser mostrado nesses centímetros de abertura, mas tudo é sempre muito bem observado.
Vi um homem que pode ser muitos, que pode ser todos. Às vezes, talvez pelo tamanho do buraco, talvez por sua diversidade, sua sombra me confundia com a de outros. Suas falas tinham a mesma força que o satélite lunar, capaz de mudar o percurso das marés. O brilho da sua estrela havia se convertido não só em um ponto na imensidão, mas em um céu inteiro, capaz de iluminar-nos através dos séculos, até os dias atuais. Apesar disso, este homem era homem, e não deus; padecia das mesmas dores, e sangrava como os homens de seu tempo. Tornava-se taciturno com as incertezas de uma época tão inconstante e gozava da mesma euforia que reveste o espírito do novo e da liberdade. Tornou-se fatalmente sombrio em algumas passagens, eram momentos em que sua própria nação encontrava-se em reviravoltas, mas não demorou a reconciliar-se com a literatura, usando novamente o espetáculo de grandes mitos para entreter seu público e adornar suas peças.


PÍRAMO E TISBE

"O conto de Píramo e Tisbe trata-se da história de dois jovens apaixonados que moravam em casas vizinhas. Píramo era o mais belo jovem e Tisbe a mais formosa donzela. Moravam em casas contíguas, da vizinhança tornaram-se cientes de si e deste conhecimento foi gerado o amor entre os jovens. O amor seria virtuoso se seus pais não proibissem seu casamento. Mesmo com esta oposição, o amor dos jovens foi florescendo, conversavam através de sinais e de olhares que tornava o sentimento mais intenso. Na parede que separava as casas havia uma fenda provocada por um defeito de construção. A fenda jamais havia sido notada pelos moradores das casas, mas não poderia ter passado em vão pelos olhos dos amantes que viram na rachadura a oportunidade para se comunicarem. Os jovens se comunicavam todos os dias através desta fenda e concluíram que a única opção que tinham era fugirem de suas casas. Píramo e Tisbe combinaram de se encontrar fora dos limites da cidade, ao pé de uma amoreira branca que encontrava-se próxima a uma fonte. Tisbe chegou primeiro ao local, e, enquanto aguardava Píramo, avistou uma leoa com a boca ensanguentada querendo saciar-se da fonte de água que encontrava-se aos pés da amoreira. Assustada, Tisbe correu para uma caverna em busca de abrigo, deixando seu véu cair sobre a terra. Quando Píramo chegou ao local, não avistou Tisbe, apenas seu véu ensanguentado e as marcas das patas da leoa. Píramo calculou que Tisbe havia sido vítima da leoa e resolveu tirar sua própria vida, a fim de unir-se a sua amada. Quando Tisbe voltou ao local, encontrou Píramo morto por sua própria espada, entendendo a situação e sentindo-se culpada por sua morte, Tisbe tirou também sua vida, de maneira que ao menos na morte o casal pudesse se unir. Segundo a mitologia, o sangue dos apaixonados teria sido derramado ao pé da amoreira as tingindo de vermelho e tornando-as símbolo do amor.
O drama de Píramo e Tisbe é considerado como a grande influência que levou Shakespeare a escrever um de seus mais famosos romances: Romeu e Julieta."

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Skhízo ganhará forma

Em breve, nosso amigo Skhízo ganhará forma em desenho, e também, ganhará uma melodia de Daniel Santiago, vocalista da banda Sambô. Aliás, ele e sua banda têm uma proposta musical muito legal. Eles são, na minha opinião, inovadores e irreverentes. Vou deixar o link do Clipe “Maria lava” do San, vejam como é legal. Os shows do San costumam ser tão visuais quanto musicais, extremamente ricos, com direito a apresentação circense e tudo mais. Seu CD todo “o traço” tem letras feitas com base em contos que encontram-se em seu encarte. Quanto ao desenho do Skhízo e novas estórias, estórias mais descontraídas, vou me reunir amanhã com o desenhista, quem sabe até o final do feriado não temos um esboço dele, e é claro um link com mais trabalhos de seus desenhos, afinal, é sempre muito bom conhecer novos e independentes artistas.
Ai vai, o San:

Antologia Delicatta

Muitos escritores e poetas, artistas em geral, procuram meios legítimos e sérios de divulgar o seu trabalho. No meu caso, com a literatura, uma das formas de expressão que gosto de utilizar, tive a oportunidade de participar de alguns projetos e algumas antologias. Me lembro da primeira antologia que participei, nunca havia feito algo parecido, e; de certa forma, para mim, foi um tiro no escuro. Logo de cara, encontrei o projeto Delicatta, que veio a ser meu modo predileto de participação cultural em literatura. Cheguei a participar de outros concursos, mas este foi o único que me cativou para participar três anos consecutivos, ou seja, desde que o conheci.
A dedicação de sua idealizadora, Luiza Moreira, seja na seleção, edição ou confraternização da antologia, dá um toque especial, que incentiva cada vez mais os autores, que por sua vez, também são extremamente talentosos e solícitos uns aos outros.
No último pré-lançamento do livro, a Antologia contou com diversos elementos culturais como fado, declamação, interpretação e levou seus autores em lançamento na bienal. Por isso, a quem interessar, deixo o link do site: http://www.antologia-delicatta.com/

Espero que gostem!

domingo, 22 de agosto de 2010

SKHÍZO E SEU HABITAT




A CRÔNICA DA MODERNIDADE

Meio ambiente define-se por todo um conjunto de leis naturais, químicas e sociais que abrigam um ser vivo. Em nosso caso, caros amigos, não adianta vir com a falácia poética sobre animais ou nossas matas verdejantes. Não que eu faça apostas em brigas de galo ou deseje ver belas mulheres em casacos de pele desfilando na gélida praia de Ipanema. É muito bonito falar sobre natureza e fazer discursos pró-planeta terra, mas o nosso meio ambiente, meus amigos, trata-se da famigerada “selva de pedras”. Não preciso explicar a escolha do termo “selva”, afinal, não sou redator de programa sensacionalista ou algo que o valha. Creio que aqui não se faça necessário entrar em detalhes, nosso bom senso dispensa explicações.
Minha percepção de horizonte não faz, na realidade, muito sentido. O leitor vai ter que me desculpar, é muito provável que minhas palavras acompanhem este olhar segmentado, de um mundo tão rico que perde sua origem.
Desde tempos antigos, o homem esforça-se para afastar-se da natureza, criando novas regras de civilidades nascidas apenas para separar classes distintas, ou melhor dizendo, separar o homem do homem, distinguindo-se da natureza e tratando a si como um universo paralelo, formando um habitat a par, onde eu, como homem atual, o identifico nas ruas pulsantes de congestionamento e grandes edifícios competindo em seus andares; meu horizonte, então, torna-se vertical.
No trânsito, eu sou o passageiro; fecho os olhos para me livrar do cansaço que carrego após mais um dia de sobrevivência na relva, percebo as luzes dos faróis atravessarem minhas pálpebras, como pancadas que me despertam, permaneço, porém, com os olhos fechados, diferencio suas cores, mas não suas formas. Nesta condição, encontro-me no final da pirâmide hierárquica da cadeia alimentar deste mundo que me devora. Faço parte daquela opulenta espécie de usuários-de-transporte-público. Ah! Espécie mal agraciada de pequenos indivíduos que se espremem e se sufocam dentro de vagões; ao lado de catracas, desviando de portas automáticas, lutando por espaço com uma habilidade quase que circense. Digo isso, pois, me sinto na categoria de palhaço quando gasto uma quantia considerável com a passagem para ser submetido a uma fábrica de sardinhas. As leis da física, nesses lugares, simplesmente não existem! É de impressionar qualquer David Copperfield.
Sardinhas, enlatados, industrialização, individualismo. Esse tipo de habitat desenvolve um comportamento comum, quase generalizado, conhecido como camuflagem. As pessoas fundem-se ao seu meio como camaleões, não deixando se mostrar verdadeiramente. Não sabemos, por exemplo, seus sentimentos mais profundos, idéias ou conceitos. Fica-se amostra aquilo que é consideravelmente comum, o que não se percebe é; todos possuindo suas anomalias patológicas ou sociais, não deixam de ser normais. O estágio mais avançado que padecem estes camaleões é a notável falta de tempo que tem um para com o outro, sempre correndo, sempre ausentes, combatendo o relógio, combatendo a companhia de outrem como uma alergia que coça e incomoda sua pele. Uma intragável característica que não me permite discorrer mais sobre o assunto sem que as linhas se tornem lamentavelmente obscuras e taciturnas, ou pior, que eu me ache culpado.
Dentro deste ambiente caótico o meio primordial, aquele que se ignorou, aquele que se advém, é usado como válvula de escape, um universo separado ao nosso, a ilha deserta para a qual fugimos. Por quê? Por que na natureza? Simplesmente, porque ela não é o nosso mundo, e mesmo assim, não deixamos de lado nosso aspecto urbano.
Veja só, outro dia estava a caminho do litoral, quando resolvi parar no meio da estrada para tirar fotos da usina de Cubatão. Estranho, mas fiquei maravilhado com aquela beleza artificial. É claro, confesso, meu traço de urbanismo e modernidade foi exacerbado, bastava citar a compulsão por celulares e secadores de cabelo. Em todo caso, de qual maneira poderia me portar dentro de uma realidade onde até as grandes empresas com tratados de carbono vendem cotas de bom ar ao país que polui mais? Protocolos internacionais como de Kyoto, redução na emissão de gases estufa, leis verdes, economia sustentável e coisas similares, só ilustram para mim, um cenário onde a natureza luta de forma quase épica para sobreviver ao tirânico homem, tendo ao seu lado, alguns traidores vegetarianos.

AUTORA: THALITA NOCE

MARA CONTI



O homem que lembrava demais

Trimmmmmmm, plact, aaaaaaaa; mais um despertar, de mais um dia cheio de detalhes, barulhos, acontecimentos e sensações. Desligou o despertador, levantou da cama e abriu a janela com a esperança de que, especialmente naquele dia, a sorte adentrasse e alguma coisa muito surpreendente acontecesse bem diante de seus olhos. Olhou profundamente cada canto do apartamento, contou os furinhos da parede, ajeitou dois quadros, ligou e desligou a TV três vezes e antes que qualquer novidade lhe atrapalhasse a rotina, saiu sorrateiro.
No elevador o cheiro era de uma segunda-feira ensolarada, a maresia conseguia penetrar os portões e chegar ao hall do prédio. Andou cinco quarteirões, duas travessas, 37 lojas e 13 casas, enfim chegou ao escritório. O tilintar das teclas sempre era o primeiro som que chegava até o ouvido, os rabiscos faziam um som agradável, principalmente as assinaturas que na maioria das vezes acabava com dois pingos.
Era tudo sempre igual, às vezes parecia repetição: despertador, cama, janela, elevador, rua trabalho, computador, assinaturas, canetas...Só que a cada dia Aurélio observava um detalhe novo, um som, um cheiro, um furo maior na parede. Muitas vezes as pessoas iam sumindo ao fundo, como nas pinceladas de Van Gogh. Um emaranhado de pessoas que se tornavam cenário para coisas tão pequenas, verdadeiros detalhes do dia a dia.
Aurélio já não conseguia se concentrar nas coisas que a sociedade, geralmente, trata com alguma importância. Fonseca o chamara em sua sala, ele levantou-se apático, e foi. Bom dia, sndnfghfugigurtr xxxxxxxxx lfuigjhohtihutr kxkxkx o relatório. Caramba, o que foi que ele disse, só entendi a última palavra, preciso me concentrar mais, e agora, volto lá? tento não olhar para os Monets falsificados, e para a poeira que formou uma espécie de espelho nos dois porta-retratos em que estavam em cima da mesa?...Ah, ele vai me chamar de novo, e dessa vez vou prestar atenção nas palavras e não nas quinquilharias.
Passaram-se duas horas e ele observou que a copeira preparava a sala de reuniões, foi quando se lembrou do pedido de Fonseca: o relatório contendo orçamentos para a reforma da nova sede do escritório. Tarde demais, a única alternativa que conseguiu pensar naquela situação fora a dor de barriga, que o atacara subitamente sem chance de reação.
Quando saiu do escritório, os sons estavam irritantemente altos, os carros buzinavam sem ninguém dentro e tudo o que enxergava eram borrões de cores, que julgava ser o colorido das roupas das pessoas. O caos que tanto o amedrontava ganhava traços das telas de pintura, as quais passava horas e horas observando, talvez seu único hobby que verdadeiramente fazia com prazer.
Começou a andar rápido, correr, fugir, sumir. Chegou em casa e o barulho havia penetrado pelas paredes, estava em tudo. Os armários rangiam, a pintura ganhara novos furos em apenas algumas horas. As torneiras dos vizinhos pingavam, a descarga, o chuveiro, quantos passos, tem 3 cães nesse andar, dois bebês, lá embaixo tem um porteiro, zelador. Tem alguém gritando: Pega o balde! O Jerson está? Já avisei que viria receber. Toc, toc, toc, é o correio, tem alguém de salto muito alto no apartamento de cima. Que inferno, não consigo parar de ouvir, silêncio, silêncio...e adormeceu.
No dia seguinte Aurélio lembrou de cada detalhe do dia mais ensurdecedor de sua vida. Ufa, passou, ainda bem.
No trabalho, se desculpou com o Fonseca que aproveitou o ensejo para pedir-lhe mais um relatório. Sentou-se e começou a digitar cada palavra que saiu da boca do chefe. Repetia incansavelmente todos os dizeres, prazos, datas, preços. Fez o trabalho em duas horas e passou as outras sete repetindo tudo o que continha nas 13 páginas. Cada aspas, cada vírgula, e o pior, cada centavo.
Não, mais um dia de cão e vou enlouquecer. Chegou em casa e escreveu muitas vezes os pedidos de Fonseca. A voz do chefe ecoava em sua memória e parecia não ter fim. Cada palavra ficava cada vez mais alta e com som distorcido. Chega, para de falar, Fonseca!
Depois de seu segundo pior dia, saiu para trabalhar, e estava decidido: - Fonseca, me demito!
Que sensação boa, não lembro de nada, as coisas estão em seu ritmo normal. Ele teve a certeza de que o trabalho o estava enlouquecendo e, enfim, se livrara do problema, sua mente estava tão vazia, sem ter que pensar nem lembrar de nenhuma futilidade. O lugar estava claro e iluminado, todos estavam vestindo branco, estava tudo tão perfeito.
Fonseca despediu-se atordoado com tantos pensamentos, pôxa, porque fui pedir aquele relatório.


AUTORA: MARA CONTI
PARA MAIS TEXTOS ACESSE: http://maraconti.blogspot.com/

DANIELLE CORRÊA



O CAUSO DO ZÉ

Todo mundo conhece um Zé na vida, não importa; demore o tempo que for, um dia você acaba conhecendo um Zé, seja ele, um músico, vendedor de tapioca, eletricista, farofeiro, iluminador de teatro, quem sabe até um escritor renomado, enfim, não há ninguém que nunca tenha conhecido um Zé na vida. Eu, por exemplo, conheço muitos, isso sem contar os “Zé’s ninguéns” que existem de monte por esse mundão a fora. E como todo Zé, tem sempre alguma história para contar, eu já começo aqui a minha narrativa. E adivinhem como se chama o protagonista da história?
Mas, chega de brincadeira; eu conheço um Zé que é todo mulherengo, adora um rabo de saia; porém esse Zé sempre foi exigente com as moças que levava para casa. Mas um dia, nem tudo sai nos conformes.
Numa certa noite de sábado, como de costume, o Zé saiu para a gandaia a fim de ir atrás de alguns “brotinhos” - gíria usada há mais de duas décadas para definir alguém bonito. Parou num boteco e para começar a noite, pediu uma dose de conhaque. O dono do estabelecimento, logo comentou:- Hoje é dia Zé, dia de caça!
O Zé só acenou em tom de concordância, pagou a bebida e seguiu seu caminho, rumo à festa. Ele sabia que a noite prometia, também já sabia como ela terminaria.
Quando chegou, Zé fez seu olhar “360°”, a fim de avaliar o território. Avistou de primeira, um grupo de três mulheres rechonchudas, passado o susto viu uma japinha sem bunda, em seguida babou por uma loira peituda, depois se assustou com a pior da festa; uma morena banguela do cabelo duro; mas logo se animou quando viu várias beldades sentadas numa mesa com muita tequila. “Pelo menos não está tão mal assim, tem opções!”- pensou com profundo alívio.
As horas foram se passando com som das músicas e dos barulhos dos copos. Depois de vários copos de cerveja, caipirinha, o Zé já não era o mesmo, mas ainda assim estava em sã consciência e sabia que a japa não tinha bunda, não confundia as três rechonchudas com melancias gigantes e nem via dente na banguela do baile. Sem maldade leitor, mas cá para nós, é triste demais ver baranga. Porém, mesmo com as visões do inferno, Zé se animava com o rebolado da loira e com as risadas das três gatinhas sentadas.
Mas, a noite foi passando e a cada gole, Zé firmava a idéia de que não podia voltar para casa sozinho. Pelo menos uma das quatro, ou quem sabe as quatro ele ia levar.
De fato o Zé não voltou sozinho. Entretanto no dia seguinte, ao acordar com aquela ressaca, tomou um susto que até esqueceu da preguiça de abrir os olhos e da dor de cabeça, Zé não acreditava e nem eu: dormia ao seu lado um verdadeiro dragão. Depressa começou a pensar que se tivesse investido na japinha sem bunda, ou quem sabe em uma das três rechonchudas, não estaria naquela situação. Logo o Zé que sempre saiu com mulher refinada, se via agora ao lado da mais feia da festa. Numa ação inusitada despertou a moça, inventando uma desculpa para ela se mandar. Mas a moça demorou a ir, imaginem como estava feliz.
Quando ela se foi, a primeira coisa que o Zé fez foi pegar a latinha na geladeira e tomar para tentar se esquecer da loucura que cometera.
Dali em diante Zé, teve a certeza, de que é melhor estar sozinho do que mal acompanhado. Mas também teve certeza de que fizera sua contribuição para os astros celestiais, já que realmente fora muita bondade a dele, acolher com tal aconchego uma ‘coisinha feia’ daquelas. Tinha convicção de que fizera alguém feliz, pelo menos isso.
Tanto é verdade que depois de um tempo, a tal “panela de pressão” ligou.
- Preciso devolver sua blusa – lançou a proposta indiretamente. E imediatamente, Zé disse que ela não precisaria se incomodar. Que cavalheirismo, não?!

AUTORA: DANIELLE CORRÊA
PARA MAIS TEXTOS ACESSE: http://bugigangasebugigangas.blogspot.com/

domingo, 23 de maio de 2010

O conto dos ossos


Referência musical:
Tchaikovsky - Dance Of The Sugar Plum Fairy


Não sei bem como começar, nunca sei. Por vezes acho que o melhor a se fazer é escrever mil vírgulas e mil interrogações tão sem nexo quanto o que se passa em minha cabeça. Ora, e por que mil vírgulas e não cem, já que nelas não há sentido algum? Por que tamanha perda de tempo? Porque o número cem seria pouco para ilustrar o turbilhão que preenche o músculo central do meu peito, quiçá mil também não seja. É quase certo que sim. O problema é sempre esse; quando se tem muito a dizer, a dificuldade de ordenar as ideias é tamanha que elas não tendem senão a uma inerente perda de controle. Não! Não, não, minha lógica se perde na resposta antes mesmo de finalizar sua pergunta. Para usar de toda a franqueza, como o sábio que nunca fui, confesso, talvez não haja nada a ser dito, e sim muito a ser sentido. Concluo que perco tempo demais me perdendo, sim dando ênfase a perdição, quando deveria estar vivendo.
Me desculpe! Talvez eu deva começar pelo meu nome – Skhízo, encantado. Agora, vamos aos motivos que me trazem aqui, eis o desfecho que levará o meu caro entender a sandice que faz uma pessoa discursar sobre o nada, assim como Erasmo fez em seu elogio a loucura.
Era uma dessas tardes comuns, coloquei-me aos degraus da soleira, ao fundo de minha casa, carregava nos braços um livro cujo título anunciava-se em grandes letras vermelhas como “dicionário humano”. Nunca havia pensado a respeito do eu separado, folheava as páginas atento ao seu conteúdo; pousou-me então, em meu livro, sobre a testa do modelo humano observado, uma mosca. Ah! Seu zunido entorpecia meu raciocínio, seus olhos, seus milhares de olhos, giravam os meus próprios, fazendo com que a ilustração embaçasse, girasse, voltasse a si, me sugasse; penetrasse meu eu direto à suas entranhas. Vejo-me então, em uma tela negra, de aspecto antigo, que exibe uma medicina arcaica. A vertigem circular estabilizou-se em uma película antiga. Será Possível? As asas da mosca bateram tais quais as da fada que inspirou Tchaikovsky? – pergunto a mim mesmo. Veja lá, caro espectador, meu esqueleto, arqueado, ossos ligados a cartilagens que possibilitam as articulações de meus passos. A cintura fazendo ligação entre o apendicular e o axial, superior e inferior. Há lá uma gaiola de costelas torácicas que prendem meus pulmões e coração. Ligados ao arcabouço deste corpo estão meus músculos que, neste filme bizarro, separam-se para ilustrar seu funcionamento. Os músculos fazem um balé, descolando-se do endoesqueleto, a plateia, com seus rostos pálidos, ofuscam a escuridão com espanto.
Os músculos viscerais, estômago, intestino; órgãos, eis outra categoria, separam-se também. Cada sistema próprio exercendo sua função, células mononucleadas, polinucleadas, com espasmos, movimentos involuntários, com todo um organismo prático que faz com que este grande mecanismo chamado homem tome vida.
De onde vêm meus sentimentos, minha realidade? Quais são as verdades, Protágoras? Perco-me do todo! Meus valores estão desmembrados, vou buscar nos neurotransmissores a razão; como circuitos, ligando-se em redes neurais, tento encontrar a resposta, a negação do eu como máquina. Endorfinas, anfetaminas, anceolíticos, acalme-se. As químicas cerebrais viciadas em certas sensações encontram-se em desespero. Perco-me do todo, os olhos da razão saltam da orbita, não consigo me reestruturar. Pensamentos soltos, intangíveis; mente, alma, máquina, homem, homem maquina, Deus, arquiteto, criação; ligue os impulsos elétricos às vontades de tua alma.
Minha inteligência torna-se tão abstrata quando a de um recém-nascido. Tudo é desmembrado, os objetos, meu corpo. As formas perdem-se de seu conjunto, anulam-se os objetos, perco a noção do eu, do você, meu pânico é instintivo, os pulmões hiperventilam, mas os pulmões não são os meus, estão na tela, a visão começa a entorpecer – a minha, ou o filme que se passa neste grande palco?
Estava zonzo quando desceu, pousando sobre meu nariz, a fada dos milhares de olhos, meu peito encheu-se de alegria ao ver novamente, à medida que acordava, todas as cores. Como me fazia feliz, ao apalpar-me, perceber meu conjunto unificado como um todo, não como um mecanismo, e sim uma divindade. A felicidade da ignorância das frações supriu o medo de entendê-las. O meu despertar foi para uma vil conclusão; no final, não há o que se explicar, há o que se sentir, conclusão tão vil que possa ter sido em vão.

O Conto dos Ossos
Autor: Thalita Noce
Publicação: Antologia Delicatta V, Editora Scortecci - São Paulo.

O Estranho

"O relógio despertava aumentando seu volume gradativamente ao decorrer dos segundos. A velha criada sentindo-se parte da família penetrava no quarto bruscamente. Após balbuciar algumas palavras escancarou a janela, o feixe de luz espalhava-se por todo o cômodo, ofuscando o negro que ali jazia. Mila estava com o rosto ainda enfiado no travesseiro, sendo visível apenas um de seus olhos rubros de cansaço.
Não tenho vontade de mover um só músculo – pensou – nada nesse dia, nem em outros, me motiva. A flor de seu coração estava agora como pétalas ao chão, fragmentado como estilhaços de um espelho onde cada fração refletia em uma sensação do passado.
A juventude está rompendo comigo – continuou a pensar sentindo seus músculos – o peso da velhice me corteja com as responsabilidades e compromissos que apagam tudo aquilo que um dia já foi onírico. Ah! A falta do peso dos anos produzia o espetáculo do novo e enchia o fôlego de expectativas, apresentando o futuro como uma caixa de surpresas galanteada por um pierrô coberto de serpentinas. Mas, as intempéries do destino mostraram-me um caixa de Pandora, uma guerra da qual me postei em seu front e como São Miguel vesti minha armadura para aprisionar os demônios."


Trecho do conto, "O estranho".
Autor: Thalita Noce
Publicação: Antologia Delicatta III, Editora Scortecci - São Paulo.

Ensaio sobre o ciúme


Lá vêm eles, de mãos dadas, com os lábios esticados. Precisam mostrar todos os dentes da boca quando sorriem? O que ela traz em suas mãos? Um convite, talvez, adornado tal como a renda de suas luvas, e cujo mosaico de letras douradas dariam lógica a tão esperada cerimônia, chamando todos os próximos para celebrarem sua comunhão. Avisto-os pela janela, logo estarão penetrando o cômodo em que me encontro – Não, não vou conseguir forjar alegria sem esmorecimento – alego comigo mesmo em um sussurro. Minha atenção, em perplexidade, é interrompida pela presença da terceira pessoa que junta-se ao casal, pude decifrar na voz abafada pelas paredes, o timbre de Tia Bernardina dando-lhes as boas-vindas. Ela, assim como toda a horda desleixada de empregados, tratava os dois jovens como membros da família, desde sua infância, ambos frequentavam a casa sem precisar dispor de autorização. De fato, Estevam era membro da família, um primo distante que outrora, nos recessos escolares, compartilhava comigo sua mais fiel amizade. Há um ano, porém, instalou-se na cidade para estudar medicina. Catarina por sua vez, era amiga oriunda de uma das mais tradicionais famílias de São Paulo, residindo na casa vizinha a nossa. Como é de se imaginar, pelo tratamento que aqui lhes é dado, foram-me sempre amigos muito próximos. Tia Bernadina trata-me como se fosse um filho e, tem a eles um apreço tão forte quanto o que tem por mim. Por sua risada fica claro, está feliz com a notícia que trazem.
Evoca-se a minha presença! Titubeando as pernas, retiro-me ao meu aposento, um dos cômodos mais reclusos da casa. Com o corpo cerrado à porta, mantenho-me escutando seus passos, aguardando o momento em que se rompa com a privacidade. Escuto seus risos, cerro os olhos, mas o ciúme em cólera não me permite pensar em outra coisa que não seja a felicidade roubada, ele queima em minhas veias como o verão de Vivaldi em seu terceiro movimento. É algo vexatório de se exprimir, o assombro que assola-me os olhos, estupefatos, encarando-me frente ao espelho. Como pode um homem feito se esconder assim, nos labirintos de seus próprios corredores, como uma criança? Fugindo de algo que há muito estava consumado, de nada havia adiantado ignorar os fatos, isso apenas me deixa surpreendentemente despreparado para este momento.
Ao que parece, por razões desconhecidas por mim, nossas visitas foram desviadas por outro caminho que não o meu. Meu coração desatinado volta a alinhar seus compassos, sento-me então na beira da cama – Por quê? Por que você deveria estar entre nós? – falo como que para as paredes. Você está entre mim e meu primo, você está entre mim e ela.
Lembro-me bem, quando crianças eram tão implicantes entre si que em grande parte do tempo mal podiam encarar-se. Claro, eram apenas coisas de criançolas, no final éramos os três, durante o tempo em que Estevam acompanhava-nos, inseparáveis. Acontece que, sendo Catarina presença constante em minha vida, a afeição tida por ela fez-se crescer com o passar dos anos, pude perceber tão mal quanto Estevam em sua distância, que ela tornava-se uma mulher.
Certa vez fomos convidados para uma visita à fazenda de Santa Cruz na cidade de Itapevi, onde morava Estevam. Fazia algum tempo que não nos víamos e, apesar de não pronunciar qualquer comentário, por sua postura, era evidente sua surpresa às mudanças da moça. Não ficamos muito tempo e os dias que se passaram foram seguidos de atividades campestres e tranquilas. Gostávamos muito de passar o tempo praticando equitação nas planícies que se perdiam de vista, meu primo fazia questão de tratar Catarina com o maior dos cuidados, e esta por sua vez, parecia-me muito receptiva aos modos cheios de dedos para consigo. Tais tratamentos não me agradavam, o incômodo com a intimidade que nascia entre os dois aumentava em mim de forma gradativa, de modo que, por final, acabei encontrando uma maneira que antecipasse nosso retorno.
Não demorou muito para que tivéssemos notícias de Estevam, somente um mês após nossa volta, meu primo já se fazia presente na cidade. Vinha até a capital para dar andamento aos seus estudos, aproveitando para prestigiar a festa de primavera, evento social mais importante de nossa redondeza.
No teatro do amor sempre fui espectador, nem ao menos coadjuvante o destino me dignou a ser, esperava que na vibração das cordas desta sinfonia, pudesse protagonizar o amor em alguma de suas dimensões, no entanto, a primavera veio consumar minha posição.
Fomos os três, riamos e relembrávamos as velhas brincadeiras da aurora, tinha esperanças em tirar Catarina para a dança principal. Indaguei-a sobre o assunto, no que me respondeu de maneira doce, talvez o doce mais amargo de minha vida, uma sensação dúbia que poucos homens sentem.
- Deseja que te acompanhe nesta dança, Catarina?
- Tenho-o como um irmão, adoraria sua companhia, mas antes gostaria de descobrir quais surpresas o destino reserva para mim esta noite.
- Seria isso um romantismo pueril? – disse Estevam, sorrindo e tomando-lhe pelo braço.
Eis uma noite que me lamenta lembrar, fiquei boa parte do tempo acompanhando-os com os olhos, o prazer com que dançavam, conversavam e davam risadas juntos. Estevam tinha um de seus braços encaixados em sua cintura, enquanto sua outra mão entrelaçava-se com a de Catarina. Quando finalmente era chegada a hora de minha dança, esta não me inspirava ânimo algum. Estava tão tenso, desconcentrado, para não fazer menções da raiva que buscava controlar. Catarina chegou a questionar-me o motivo da estranheza, mas o estrago de meus nervosos permitia-me apenas respostas lacônicas, uma tentativa mal sucedida de transparecer um estado natural.
Agora encontro-me no mesmo esforço para resgatar minha naturalidade, tento desviar meu pensamento para outros assuntos que restabeleçam meu humor, tudo é em vão, consigo pensar em apenas um assunto, Catarina. Ah! Sonhava em ser-lhe constelações inteiras, entretanto, meu maior brilho foi o de uma lágrima, lágrima que dediquei a você, vertida ao seu amor perdido. Das estrelas, não fui nem o pó que precede a explosão de seu nascimento, já Estevam alcança o êxtase de uma aurora boreal, ao menos assim é para ela.
Presto! Algo me incomoda, mas do que se trata? Que ruídos são...? Ora, são os passos! Percebo-os aglutinados na porta, antes que eu possa erguer minha cabeça, ela se abre.
Sim, Catarina traz consigo o convite, estende-o para mim e eu o tomo em minhas mãos. É dado início a uma nova realidade que não estou disposto a participar, naquela noite de primavera selava-se em mim a decisão de partir para o exterior com o argumento de aprimorar-me em meu ofício de advogado. Neste momento, o brasão de seu selo queima em meu peito mais do que nunca, não seria tão covarde a ponto de antecipar também esta viagem e perder a cerimônia. Estava decidido, nesta peça, o casamento seria meu ato final.
- Fico feliz – disse eu enquanto via novamente todos aqueles dentes.
É engraçado como o destino uniu de forma permanente duas histórias e apagou, de forma tão permanente, outra. Bem-vindo, Bernardo! Bem-vindo à sua nova realidade.

Texto: Ensaio sobre o Ciúme
Autor: Thalita Noce
Publicação: Literatum & Poeticum, Editora Guemanisse - Rio de Janeiro