segunda-feira, 5 de setembro de 2011

"Você parece não se importar com os conflitos dos fios de cabelo entre si, brigados com o pente, por consequência, que habitam minha cabeça. Tampouco parece se preocupar com meus dentes amarelados de nicotina ou com as canções roucas que minhas cordas vocais lhe oferecem – Nos meus sonhos você disse que me amaria desse jeito, e pediu para que eu tirasse as mãos dos bolsos para te abraçar.
(...)
Estamos deitados no chão, próximos a janela, olhando como a poeira parece uma chuva de ouro; chuva inversa, que sobe, como se o sol sugasse de volta suas partes. Esse tipo de inversão é tão típica do nosso universo particular, tão similar a nós."

domingo, 12 de junho de 2011

Diálogo em um Ato


Ato I

Personagens
Pedro Henrique: Matemático
Rita: Dona do bar Speranza
Rodrigo: Filósofo

ATO I

Cena I

(Do meio de uma multidão, simulada por um sons e um telão no fundo do palco, entra Pedro Henrique que caminha para uma viela tranquila enquanto fala consigo mesmo.)
Pedro Henrique: (assustado olhando para trás) Como posso me sentir isolado e com claustrofobia ao mesmo tempo? Talvez este seja meu problema: eu penso demais. Deus, quanta gente. (reflexivo) Talvez eles estejam pensando também. Mas, eles pensam em quê? Quem sabe eu pense alto demais. O que eu necessito é não necessitar; é viver o momento.
(Pedro Henrique desce as escadas de uma taberna, guiado por um letreiro em azul neon escrito “Speranza”. Senta-se nos bancos altos do balcão, ao lado de Rodrigo, pede um café, tira um jornal de sua maleta e começa a rabiscar. Pedro Henrique demonstra um semblante exaltado com o que rabisca até ser quebrado por uma expressão de decepção)

Rodrigo: O que foi, filho? Não conseguiu chegar ao resultado da conta?
Pedro Henrique: (introspecto) Não, não consegui.
Rodrigo: Parecia muito importante para você chegar a essa conclusão.
Pedro Henrique: Sim, é o trabalho de toda uma vida.
Rodrigo: Toda uma vida baseada em uma conta?
Pedro Henrique: (coagido) Sim
Rodrigo: Mas, baseado em que acha isso possível?
Pedro Henrique: Sou um matemático teórico, acredito que a matemática é a linguagem da natureza.
Rodrigo: Certo, e...?
(Pedro Henrique adiciona uma colher de açúcar ao seu café)
Pedro Henrique: Está vendo esse espiral que o açúcar fez em meu café?
Rodrigo: Sim, vejo.
Pedro Henrique: A natureza provou que em tudo nela há padrões, não é uma reta linear mas, uma repetição cíclica. Algumas evidências são os ciclos das epidemias, os ciclos das manchas solares, as cheias e baixas do Nilo... Acredito que eu possa achar um padrão para o universo calculando o seu número, o número da circunferência, do PI.
Rodrigo: E daí você se anteciparia a tudo? Teria todas as respostas?
Pedro Henrique: Sim! Acredito que tudo o que rege o mundo parte de um mesmo mecanismo, só variando de escalas maiores e menores. Basta ter a resposta de um padrão para entender o todo.
Rodrigo: (brincando) Santo Deus, que papo maluco, garoto! (escárnio) Rita venha cá, me traga uma dose bem forte, vou precisar para escutar essas teorias. (Rodrigo volta a falar com bondade) Garoto, você já ouviu falar no jogo de tabuleiro go?
Pedro Henrique: Sim, já joguei algumas vezes.
Rodrigo: Os japoneses consideram o tabuleiro do go um microcosmo do universo, embora vazio ele pareça simples e ordenado, as possibilidades de jogadas são infinitas. Dizem que nunca houve duas partidas iguais. Portanto o tabuleiro do go, representa um universo complexo e caótico. E essa é a realidade do nosso universo, rapaz, não pode ser definido pela matemática, não pode ser definida por uma simples ordem.
Pedro Henrique: (contrariado) Mas quando o jogo avança as possibilidades diminuem e surge-se um padrão, as jogadas podem tornar-se previsíveis.
Rodrigo: E daí?
Pedro Henrique: E daí que mesmo que não sejamos sofisticados o suficiente haja um padrão subjacente a cada jogada.

Cena II
(Rita, a dona do bar, com seus 48 anos de idade, etnia latina e muito bem conservada voltava ao balcão com uma dose a Seu Rodrigo)
Rita: (sorrindo) Aqui está sua dose, Seu Rodrigo.
Rodrigo: (condescendente) Como está seu dia hoje, Rita?
Rita: (irônica) Cada dia se aproxima ainda mais do dia que terei de fazer isso outra vez.
Rodrigo: Está se referindo a repetição dos dias?
Rita: (com um ar de cansaço) Bendita rotina! (pausa reflexiva) Tenistas comem bananas!
Pedro: (confuso) O quê? Tenistas e bananas?
Rita: Os esportistas achavam que deveriam comer pedaços de laranjas, então alguém pensou em banana. Potássio. Pronto! Sem câimbras.
(Rita faz uma pausa para servir uma dose a si mesma)
Rita: O que eu quero dizer é que talvez, apenas talvez, em alguns aspectos de nossas vidas nos estamos comendo laranjas quando deveríamos estar considerando a hipótese de comer bananas,
Rodrigo: Entendo o que quer dizer.
Rita: (sorrindo) Você é um intelectual, Seu Rodrigo.
Rodrigo: Você está dizendo isso apenas por dizer.
Rita: (irônica) De que outra maneira poderia me comunicar?
Rodrigo: Então, rapaz você está querendo se tornar um deus com a sua matemática?
Pedro Henrique: Seria muita audácia. Quero dizer, essa coisa de ser Deus.
Rodrigo: Acho que nosso ponto de vista, no mundo contemporâneo, é fácil acreditar que a ciência vai tomar o lugar de Deus. Mas, alguns problemas filosóficos irão continuar dando trabalho, como o problema da vontade livre. Este problema existe há muito tempo, desde antes de Aristóteles, em 365 antes de Cristo. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, esses homens ficavam preocupados em como podemos ser livres, se Deus já sabia tudo o que íamos fazer.
Pedro Henrique: Estaríamos sempre um passo atrás, como se nossos movimentos fossem premeditados.
Rodrigo: Sim. Hoje em dia sabemos que o mundo funciona de acordo com algumas leis físicas fundamentais, e essas leis governam o comportamento de cada coisa no mundo. Agora, essas leis porque são tão confiáveis permitem incríveis avanços tecnológicos. Mas, olhe para você: também somos sistemas físicos, não é? Também somos combinações complexas de moléculas de carbono. Somos maioria água e nosso comportamento não vai fugir a esta regra. Então, começa a parecer, se Deus já planeja tudo com antecedência ou se essas leis físicas básicas governam tudo, que a livre vontade não passa de uma utopia.
Pedro Henrique: Por isso eu lhe digo, deve haver um padrão. Não concorda?
Rodrigo: Não gosto dessa ideia. Isso é uma agressão à concepção de quem você é. Você só pode ser admirado ou censurado pelas atitudes que toma pela vontade livre, a vontade própria.
Pedro Henrique: (taciturno) Estas questões apenas estão emancipando minhas dúvidas.
Rita: Rapaz, você pensa demais. Procura respostas demais, quando na verdade deveria estar se divertindo. Um jovem tão bonito, aposto que não tem uma garota esperando por você, só números. Estou certa?
Pedro Henrique: (tímido) Sim.
Rita: Há quanto tempo não se diverte? Não sente prazer nas coisas além dessa obsessão por respostas, conhecimento? Você sai e consegue se divertir? Aposto que se sente inquieto em uma roda de amigos.
Pedro Henrique: Sim, parece-me perda de tempo.
Rita: Cuidado! Cuidado! Já escutei muita história de homens assim, que simplesmente esqueceram a verdadeira beleza, as pequenas coisas, e quando viram, estavam queimando seus livros se perguntando o porquê de se perguntarem.
(Rodrigo gargalha)
Pedro Henrique: Não sei o que pensar, Senhor.
Rodrigo: Ninguém nunca sabe.
Pedro Henrique: Deve haver um padrão.
Rodrigo: Deve haver uma razão.
Pedro Henrique: (com certa agonia) Santo Deus!
Rodrigo: Rapaz, está vendo aquele peixe no aquário atrás do balcão? O nome dele é Arquimedes, foi um presente meu à Rita. Você conhece sua história, a história do matemático?
Pedro Henrique: Não me recordo.
Rodrigo: Arquimedes foi desafiado pelo rei a descobrir se um presente que fora lhe dado era realmente ouro.
Pedro Henrique: E Arquimedes tinha a resposta?
Rodrigo: Não, era um problema insolúvel na época.
Pedro Henrique: E como ele resolveu essa situação? Foi morto pelo rei?

Rodrigo: Arquimedes ficou atormentado, perdeu o sono, e, sua mulher, que era obrigada a dormir ao seu lado, igualmente exausta, lhe pediu que relaxasse e fosse tomar um banho. Ao entrar na banheira Arquimedes percebeu que a água subia. Deslocamento. Eureca! Um jeito de determinar o volume, densidade. E assim ele resolveu o problema...
Rita: Escute o homem, vá para casa e tome um banho. Não existem respostas no caos.
Pedro Henrique: Certo! Ah, Senhor! Está sempre por aqui?
Rodrigo: Sim, rapaz.


(Pedro Henrique sorri e sai de cena, as luzes se apagam.)
















Exercício: considerações pessoais, mais adaptação dos filmes em diálogo de um ato: Pi, o filme (Pi Movie), Despertando para a vida (Waking life), e Eu realmente odeio meu trabalho (I really hate my job).

domingo, 24 de abril de 2011

Só para constar: o príncipe encantado não veio em um cavalo branco te salvar. Mas, olhe para os lados, você está rodeada de reis e rainhas.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Porque eu sou Bauhaus.


Não me pergunte
O que você sabe é verdade
Não tenho que te contar
Eu amo seu coração precioso
Eu, Eu estava parado
Você estava ali
Dois mundos colidiram
E eles nunca poderiam se separar
Nós poderíamos viver por um milhão de anos
Mas se eu te machucar, faria vinho de suas lágrimas
Eu te disse que nós podemos voar
Porque todos nós temos asas
Alguns de nós não sabem porquê
Eu, Eu estava parado
Você estava ali
Dois mundos colidiram
E eles nunca poderiam, nunca, se separar.
Eu fico me perguntando qual é sentido que você dá à sua vida. As pessoas podem ser tão intesas quanto uma descarga elétrica em dias de chuvas... Mas, você... Você é uma incógnita. É ou era... O que eu achei ser espírito de liberdade traduziu-se em pura solidão. Tão pura que você não se importa mais. Fala com as paredes como se fossem antigas amigas.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

O EQUILIBRISTA

O equilibrista e sua bola de cristal! O equilibrista escorrega a sua bola de cristal a noite toda por seu corpo. Este é o seu jeito de dominar o caos; então o equilibrista tem, sob seus pés, os passos da vida. A bola o acompanha em uma contradança; o mundo está caindo, o mundo está sorrindo, ele não se importa realmente, pois, está concentrado em manter o controle.
Polaco, como era conhecido, era moço bem apessoado e de boa índole, costumava passar muitas madrugadas nos faróis da capital Paulista com roupas características a de um circense; os remendos xadrez, costurados de maneira assimétrica, bordavam uma calça surrada, coberta por um fraque que, apesar de antigo, ainda mantinha certa elegância. A costura de sua roupa era justa ao corpo na medida em que a vestimenta não atrapalhasse sua performance. Trabalhava todas as manhãs em um almoxarifado qualquer e empoeirado organizando peças das quais ele não entendia sua função. A vida não lhe era fácil, a cidade era barulhenta, as linhas de metrô congestionadas e as ruas perigosas; isso tudo não se comparava aos seus dramas pessoais, é de se dizer que outro em seu lugar logo poria a lamentar-se, mas o rapaz mantinha-se sempre calmo. À noite, talvez para fugir dos problemas, talvez por necessidade, ia ao mesmo farol exibir seus talentos com malabares. O equilibrista parecia brincar com as leis da física; era naquele instante em que o Polaco sentia-se um deus desafiando a gravidade, era naquele instante que ele saia de si para virar arte. Quando falo sobre a hipótese de Polaco estar lá, naquele farol, por necessidade, me refiro mais a sua própria ânsia pelo espetáculo do que pelos míseros trocados que recebia. Lá seu mundo estava em ordem. Dos malabares, seu preferido era sua bola de cristal, ela era seu globo – ele dizia – e a este globo, quem determina o destino sou eu. Sua bola não era como costumava ser a de seus outros colegas de ofício, sua composição vítrea não era densa e resistente como as demais. Quando ainda era um menino, a encontrara dentre os enfeites da antiga casa em que morava e desde então sua companheira passou a percorre-lhe o corpo diariamente. É provável que o seu material não fosse feito de cristal verdadeiro, mas sua geometria específica lhe atribuía uma postura cristalina que reluzia um prisma de cores sob a luz, como uma bolha de sabão. Ao cristal, sua bola também pode ser comparar em sua fragilidade de modo que, com apenas um deslize, ela se quebraria para sempre em milhares de estilhaços. Polaco, entretanto, não precisava preocupar-se com isso; exercia sua graça de equilibrista com maestria, de todas as suas apresentações nunca havia se quer titubeado em algum movimento.
Certa vez, Polaco envolveu-se com umas dessas meninas que vagueiam pelas ruas pedindo esmolas, e passara a frequentar as redondezas de seu farol. Era uma garota com rosto de cigana, de olhos castanhos e cabelos longos encaracolados. Amara cheirava incenso, usava um grande vestido branco com rendas em sua barra, brincava de ler cartas e quiromancia, ganhava a vida no centro da cidade assustando a gente humilde com falsas profecias – uma bênção em troca de dinheiro – era sua bandeira. Ai, se não lhe dessem o dinheiro; uma praga lhe seria rogada e dentro de sete dias você perderia até os cabelos.
E foi deste trejeito cigano, deste cabelo encaracolado, do balançar de seus quadris, que Polaco, não contente com todo seu malabarismo, ousou equilibrar também seus passos nas tranças de Amara. Daqui, do lado de cá, de onde observei o talento de Polaco e pude trocar-lhe algumas palavras enquanto servia-lhe um pingado, testemunhei sua alegria e seu declínio por conta da moça. Nunca achei que ela fosse gente confiável, o modo como sorria para ele enquanto enrolava seus dedos no cabelo, parecia-me traiçoeiro. Infelizmente, eu não estava enganado, estes anos todos não foram passados em vão por mim, aferindo-me apenas rugas. Não houve nada que pudesse ser feito, Polaco estava embevecido, travava conversas ofegantes como todo jovem apaixonado e irritava-se com qualquer tipo de alerta. Carolina, aquela jovem que trabalha no caixa, disfarçava e punha-se a chorar todos os dias em nossa dispensa por conta de Polaco. Carolina é uma moça decente, não é inferior a Amara em beleza, mas tornava-se insossa diante da postura cigana de Amara. Eles, Carolina e Polaco, eram amigos muito próximos, todos os dias quando fechávamos, Carolina sentava-se na esquina para ver suas pequenas apresentações entre o abrir e fechar dos faróis. A amiga passou a alerta-lo também, o equilibrista, por sua vez, cego de amor, atribuía seus comentários ao ciúmes, acabaram por ter uma severa discussão e rompendo com a amizade. Amara também não gostava dessa relação – ele dizia.
Não demorou muito para Amara estar nos braços de outro. Ainda lembro-me bem; no meio de uma de suas apresentações, a jovem passou aos sorrisos com outro rapaz, no mesmo instante, Polaco ficou paralisado. Diante das lanternas dos carros que resplandeciam suas lágrimas, o equilibrista parou seu show, estendeu o braço e abriu suas mãos para que sua bola de cristal caísse. Os estilhaços sobrepuseram-se em toda sua frágil corda. Cortaram-na! O equilibrista caiu. Polaco agachou-se para pegar seus cacos, foram as pequenas frações da sua bola, agora desfeita, que cortaram e fizeram-no sangrar. O rapaz viu sair de si, como se o seu corpo chorasse, uma explosão rubra, a paixão dilacerava seu o corpo.
Depois de tudo, nunca mais o vi neste farol. Amara, de natureza itinerante, com o tempo afastou-se daqui e, desta história, tudo que restou foi Carolina, que todas as noites espera sentada na esquina de sempre, que Polaco apareça para fazer um espetáculo.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

BAUHAUS

Que Deus me permita ser sempre assim: feita de arte e inspiração.
Espero que a gravidade não quebre minhas pernas enquanto eu caminho na lua que orbita meu peito; Me puxando de volta para a terra, com força; Espero que os sonhos, com véus de seda, não enforquem meu pescoço; Eu não espero muito, apenas viver do que eu sou; Minha única ambição é me tornar o que eu sou. *** Gostaria que você tivesse me conhecido melhor para entender o que eu estou dizendo.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Inacabado

“Costumo dizer que pessoas estranhas atraem, da mesma maneira como se é, situações ou outras pessoas estranhas. Nem sempre é fácil ser assim e aquela história de que ninguém é normal é uma verdadeira balela. Você percebe isso quando as outras pessoas te olham de rabo de olho ou quando as velhinhas atravessam a rua quando te veem. No entanto, às vezes o trágico é cômico e como a irreverência é uma das parentas mais distantes do tedioso marasmo pode-se tirar alguns bons momentos dessa condição. Eu sou uma daquelas pessoas assumidamente misantropas. Não! Eu não gosto de sair. Não! Eu não gosto de viajar. Não! Tão pouco gosto de praia, sol e loucuras de verão. Tenho um aparato de coisas em casa que substituem o mundo lá fora, inclusive, meus diversos alter-egos transformam-se facilmente em amigos imaginários. Para ser um velho ranzinza só me falta um pouco mais de idade.
Podem acontecer, e de fato acontecem, pequenos lapsos. Rompimentos na integridade basilar da misantropia. Não poderia ser diferente, qualquer forma de perfeição resume-se a mera utopia. E foi nessa ruptura, quando estava deitado no afago de uma melancólica companhia, que vi um homem de aspecto pouco amigável no centro do cômodo que irritado me expulsou da alcova. Tédio é um sujeito mal-humorado, seu jeito intragável deixa-me com os nervos a flor da pele mesmo em suas visitas esporádicas. Não pude acreditar ao vê-lo, quis distância dele, de sua conversa mole, sua preguiça, sua falta de gosto... Ah! Levantei-me bravejando e pus-me para fora de casa. Caminhei em direção a um desses lugares noturnos de praxe: escuro, lotado e com uma música ruim gritante. Mal depositava o peso do meu corpo sob o chão daquele local e uma onda de calafrios e desconforto invadiu minh ‘alma. Olhei para trás pensando em voltar, mas Tédio me esperava na porta. Eu o encarei, franzi a testa e, continuei a penetrar ainda mais naquele universo. Perto do bar, avistei do outro lado de balcão uma mulher de cabelos negros e esguia; do rosto pálido destacava-se um batom tão forte quanto o sangue. Perguntei seu nome – Desespero – ela respondeu enquanto servia o rapaz ao lado. O rapaz tinha os poros de seu rosto banhado em suor, olhos vagos e carregava no rosto um sorriso de incoerência.
Sente-se – disse Desespero voltando-se para o bar – eu vou te dar uma dose de insanidade. Minha cabeça já girava, as luzes piscavam rápido demais; contestei a necessidade de beber algo, mas a voz de Desespero sobressaia a minha. O que vou beber? – perguntei – ela deu de ombros e continuou a mexer em suas grandes garradas vermelhas sem responder. Não demorou muito para estender fronte a mim um drink escarlate dizendo – uma dose do inferno. Segurei a mistura sem muita firmeza e, encarando Desespero, tomei de seu copo como se a desafiasse. Mal acabara de beber quando meu corpo estremecendo caiu para o lado, levantei-me; mal conseguia andar, mas precisava achar a saída. Foi então que avistei Tristeza, uma dama sem expressão e de olhos fundos, parecendo uma noiva abandonada debruçada sobre meu corpo titubeante. Perguntava-me porque havia abandonado seus afagos e trazia consigo uma injeção; um remédio ela dizia, para curar-me do Desespero. E eu sentia as agulhadas pontiagudas de Tristeza. O efeito parecia ser oposto do planejado, de maneira que, em um impulso de sobrevivência, a empurrei junto com seu remédio. Levantei-me, tomei distância e andei como pude para uma área aberta à procura de ar. Mais calmo, observei as pessoas e pude até rir de sua felicidade, sua alteração e embriaguez. Minha pele ainda soava quando aproximou-se de mim um sujeito de preto. Começamos a conversar e, enquanto conversávamos, escutava outras vozes me chamando, mas Tristeza, Tédio, Desespero, foram expurgadas pelo cansaço da espera.
Quando estava calmo o suficiente notei a roupa preta daquele rapaz. Uma batina? Aquilo não poderia ser a única coisa real naquela noite. “