domingo, 22 de agosto de 2010

SKHÍZO E SEU HABITAT




A CRÔNICA DA MODERNIDADE

Meio ambiente define-se por todo um conjunto de leis naturais, químicas e sociais que abrigam um ser vivo. Em nosso caso, caros amigos, não adianta vir com a falácia poética sobre animais ou nossas matas verdejantes. Não que eu faça apostas em brigas de galo ou deseje ver belas mulheres em casacos de pele desfilando na gélida praia de Ipanema. É muito bonito falar sobre natureza e fazer discursos pró-planeta terra, mas o nosso meio ambiente, meus amigos, trata-se da famigerada “selva de pedras”. Não preciso explicar a escolha do termo “selva”, afinal, não sou redator de programa sensacionalista ou algo que o valha. Creio que aqui não se faça necessário entrar em detalhes, nosso bom senso dispensa explicações.
Minha percepção de horizonte não faz, na realidade, muito sentido. O leitor vai ter que me desculpar, é muito provável que minhas palavras acompanhem este olhar segmentado, de um mundo tão rico que perde sua origem.
Desde tempos antigos, o homem esforça-se para afastar-se da natureza, criando novas regras de civilidades nascidas apenas para separar classes distintas, ou melhor dizendo, separar o homem do homem, distinguindo-se da natureza e tratando a si como um universo paralelo, formando um habitat a par, onde eu, como homem atual, o identifico nas ruas pulsantes de congestionamento e grandes edifícios competindo em seus andares; meu horizonte, então, torna-se vertical.
No trânsito, eu sou o passageiro; fecho os olhos para me livrar do cansaço que carrego após mais um dia de sobrevivência na relva, percebo as luzes dos faróis atravessarem minhas pálpebras, como pancadas que me despertam, permaneço, porém, com os olhos fechados, diferencio suas cores, mas não suas formas. Nesta condição, encontro-me no final da pirâmide hierárquica da cadeia alimentar deste mundo que me devora. Faço parte daquela opulenta espécie de usuários-de-transporte-público. Ah! Espécie mal agraciada de pequenos indivíduos que se espremem e se sufocam dentro de vagões; ao lado de catracas, desviando de portas automáticas, lutando por espaço com uma habilidade quase que circense. Digo isso, pois, me sinto na categoria de palhaço quando gasto uma quantia considerável com a passagem para ser submetido a uma fábrica de sardinhas. As leis da física, nesses lugares, simplesmente não existem! É de impressionar qualquer David Copperfield.
Sardinhas, enlatados, industrialização, individualismo. Esse tipo de habitat desenvolve um comportamento comum, quase generalizado, conhecido como camuflagem. As pessoas fundem-se ao seu meio como camaleões, não deixando se mostrar verdadeiramente. Não sabemos, por exemplo, seus sentimentos mais profundos, idéias ou conceitos. Fica-se amostra aquilo que é consideravelmente comum, o que não se percebe é; todos possuindo suas anomalias patológicas ou sociais, não deixam de ser normais. O estágio mais avançado que padecem estes camaleões é a notável falta de tempo que tem um para com o outro, sempre correndo, sempre ausentes, combatendo o relógio, combatendo a companhia de outrem como uma alergia que coça e incomoda sua pele. Uma intragável característica que não me permite discorrer mais sobre o assunto sem que as linhas se tornem lamentavelmente obscuras e taciturnas, ou pior, que eu me ache culpado.
Dentro deste ambiente caótico o meio primordial, aquele que se ignorou, aquele que se advém, é usado como válvula de escape, um universo separado ao nosso, a ilha deserta para a qual fugimos. Por quê? Por que na natureza? Simplesmente, porque ela não é o nosso mundo, e mesmo assim, não deixamos de lado nosso aspecto urbano.
Veja só, outro dia estava a caminho do litoral, quando resolvi parar no meio da estrada para tirar fotos da usina de Cubatão. Estranho, mas fiquei maravilhado com aquela beleza artificial. É claro, confesso, meu traço de urbanismo e modernidade foi exacerbado, bastava citar a compulsão por celulares e secadores de cabelo. Em todo caso, de qual maneira poderia me portar dentro de uma realidade onde até as grandes empresas com tratados de carbono vendem cotas de bom ar ao país que polui mais? Protocolos internacionais como de Kyoto, redução na emissão de gases estufa, leis verdes, economia sustentável e coisas similares, só ilustram para mim, um cenário onde a natureza luta de forma quase épica para sobreviver ao tirânico homem, tendo ao seu lado, alguns traidores vegetarianos.

AUTORA: THALITA NOCE

MARA CONTI



O homem que lembrava demais

Trimmmmmmm, plact, aaaaaaaa; mais um despertar, de mais um dia cheio de detalhes, barulhos, acontecimentos e sensações. Desligou o despertador, levantou da cama e abriu a janela com a esperança de que, especialmente naquele dia, a sorte adentrasse e alguma coisa muito surpreendente acontecesse bem diante de seus olhos. Olhou profundamente cada canto do apartamento, contou os furinhos da parede, ajeitou dois quadros, ligou e desligou a TV três vezes e antes que qualquer novidade lhe atrapalhasse a rotina, saiu sorrateiro.
No elevador o cheiro era de uma segunda-feira ensolarada, a maresia conseguia penetrar os portões e chegar ao hall do prédio. Andou cinco quarteirões, duas travessas, 37 lojas e 13 casas, enfim chegou ao escritório. O tilintar das teclas sempre era o primeiro som que chegava até o ouvido, os rabiscos faziam um som agradável, principalmente as assinaturas que na maioria das vezes acabava com dois pingos.
Era tudo sempre igual, às vezes parecia repetição: despertador, cama, janela, elevador, rua trabalho, computador, assinaturas, canetas...Só que a cada dia Aurélio observava um detalhe novo, um som, um cheiro, um furo maior na parede. Muitas vezes as pessoas iam sumindo ao fundo, como nas pinceladas de Van Gogh. Um emaranhado de pessoas que se tornavam cenário para coisas tão pequenas, verdadeiros detalhes do dia a dia.
Aurélio já não conseguia se concentrar nas coisas que a sociedade, geralmente, trata com alguma importância. Fonseca o chamara em sua sala, ele levantou-se apático, e foi. Bom dia, sndnfghfugigurtr xxxxxxxxx lfuigjhohtihutr kxkxkx o relatório. Caramba, o que foi que ele disse, só entendi a última palavra, preciso me concentrar mais, e agora, volto lá? tento não olhar para os Monets falsificados, e para a poeira que formou uma espécie de espelho nos dois porta-retratos em que estavam em cima da mesa?...Ah, ele vai me chamar de novo, e dessa vez vou prestar atenção nas palavras e não nas quinquilharias.
Passaram-se duas horas e ele observou que a copeira preparava a sala de reuniões, foi quando se lembrou do pedido de Fonseca: o relatório contendo orçamentos para a reforma da nova sede do escritório. Tarde demais, a única alternativa que conseguiu pensar naquela situação fora a dor de barriga, que o atacara subitamente sem chance de reação.
Quando saiu do escritório, os sons estavam irritantemente altos, os carros buzinavam sem ninguém dentro e tudo o que enxergava eram borrões de cores, que julgava ser o colorido das roupas das pessoas. O caos que tanto o amedrontava ganhava traços das telas de pintura, as quais passava horas e horas observando, talvez seu único hobby que verdadeiramente fazia com prazer.
Começou a andar rápido, correr, fugir, sumir. Chegou em casa e o barulho havia penetrado pelas paredes, estava em tudo. Os armários rangiam, a pintura ganhara novos furos em apenas algumas horas. As torneiras dos vizinhos pingavam, a descarga, o chuveiro, quantos passos, tem 3 cães nesse andar, dois bebês, lá embaixo tem um porteiro, zelador. Tem alguém gritando: Pega o balde! O Jerson está? Já avisei que viria receber. Toc, toc, toc, é o correio, tem alguém de salto muito alto no apartamento de cima. Que inferno, não consigo parar de ouvir, silêncio, silêncio...e adormeceu.
No dia seguinte Aurélio lembrou de cada detalhe do dia mais ensurdecedor de sua vida. Ufa, passou, ainda bem.
No trabalho, se desculpou com o Fonseca que aproveitou o ensejo para pedir-lhe mais um relatório. Sentou-se e começou a digitar cada palavra que saiu da boca do chefe. Repetia incansavelmente todos os dizeres, prazos, datas, preços. Fez o trabalho em duas horas e passou as outras sete repetindo tudo o que continha nas 13 páginas. Cada aspas, cada vírgula, e o pior, cada centavo.
Não, mais um dia de cão e vou enlouquecer. Chegou em casa e escreveu muitas vezes os pedidos de Fonseca. A voz do chefe ecoava em sua memória e parecia não ter fim. Cada palavra ficava cada vez mais alta e com som distorcido. Chega, para de falar, Fonseca!
Depois de seu segundo pior dia, saiu para trabalhar, e estava decidido: - Fonseca, me demito!
Que sensação boa, não lembro de nada, as coisas estão em seu ritmo normal. Ele teve a certeza de que o trabalho o estava enlouquecendo e, enfim, se livrara do problema, sua mente estava tão vazia, sem ter que pensar nem lembrar de nenhuma futilidade. O lugar estava claro e iluminado, todos estavam vestindo branco, estava tudo tão perfeito.
Fonseca despediu-se atordoado com tantos pensamentos, pôxa, porque fui pedir aquele relatório.


AUTORA: MARA CONTI
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DANIELLE CORRÊA



O CAUSO DO ZÉ

Todo mundo conhece um Zé na vida, não importa; demore o tempo que for, um dia você acaba conhecendo um Zé, seja ele, um músico, vendedor de tapioca, eletricista, farofeiro, iluminador de teatro, quem sabe até um escritor renomado, enfim, não há ninguém que nunca tenha conhecido um Zé na vida. Eu, por exemplo, conheço muitos, isso sem contar os “Zé’s ninguéns” que existem de monte por esse mundão a fora. E como todo Zé, tem sempre alguma história para contar, eu já começo aqui a minha narrativa. E adivinhem como se chama o protagonista da história?
Mas, chega de brincadeira; eu conheço um Zé que é todo mulherengo, adora um rabo de saia; porém esse Zé sempre foi exigente com as moças que levava para casa. Mas um dia, nem tudo sai nos conformes.
Numa certa noite de sábado, como de costume, o Zé saiu para a gandaia a fim de ir atrás de alguns “brotinhos” - gíria usada há mais de duas décadas para definir alguém bonito. Parou num boteco e para começar a noite, pediu uma dose de conhaque. O dono do estabelecimento, logo comentou:- Hoje é dia Zé, dia de caça!
O Zé só acenou em tom de concordância, pagou a bebida e seguiu seu caminho, rumo à festa. Ele sabia que a noite prometia, também já sabia como ela terminaria.
Quando chegou, Zé fez seu olhar “360°”, a fim de avaliar o território. Avistou de primeira, um grupo de três mulheres rechonchudas, passado o susto viu uma japinha sem bunda, em seguida babou por uma loira peituda, depois se assustou com a pior da festa; uma morena banguela do cabelo duro; mas logo se animou quando viu várias beldades sentadas numa mesa com muita tequila. “Pelo menos não está tão mal assim, tem opções!”- pensou com profundo alívio.
As horas foram se passando com som das músicas e dos barulhos dos copos. Depois de vários copos de cerveja, caipirinha, o Zé já não era o mesmo, mas ainda assim estava em sã consciência e sabia que a japa não tinha bunda, não confundia as três rechonchudas com melancias gigantes e nem via dente na banguela do baile. Sem maldade leitor, mas cá para nós, é triste demais ver baranga. Porém, mesmo com as visões do inferno, Zé se animava com o rebolado da loira e com as risadas das três gatinhas sentadas.
Mas, a noite foi passando e a cada gole, Zé firmava a idéia de que não podia voltar para casa sozinho. Pelo menos uma das quatro, ou quem sabe as quatro ele ia levar.
De fato o Zé não voltou sozinho. Entretanto no dia seguinte, ao acordar com aquela ressaca, tomou um susto que até esqueceu da preguiça de abrir os olhos e da dor de cabeça, Zé não acreditava e nem eu: dormia ao seu lado um verdadeiro dragão. Depressa começou a pensar que se tivesse investido na japinha sem bunda, ou quem sabe em uma das três rechonchudas, não estaria naquela situação. Logo o Zé que sempre saiu com mulher refinada, se via agora ao lado da mais feia da festa. Numa ação inusitada despertou a moça, inventando uma desculpa para ela se mandar. Mas a moça demorou a ir, imaginem como estava feliz.
Quando ela se foi, a primeira coisa que o Zé fez foi pegar a latinha na geladeira e tomar para tentar se esquecer da loucura que cometera.
Dali em diante Zé, teve a certeza, de que é melhor estar sozinho do que mal acompanhado. Mas também teve certeza de que fizera sua contribuição para os astros celestiais, já que realmente fora muita bondade a dele, acolher com tal aconchego uma ‘coisinha feia’ daquelas. Tinha convicção de que fizera alguém feliz, pelo menos isso.
Tanto é verdade que depois de um tempo, a tal “panela de pressão” ligou.
- Preciso devolver sua blusa – lançou a proposta indiretamente. E imediatamente, Zé disse que ela não precisaria se incomodar. Que cavalheirismo, não?!

AUTORA: DANIELLE CORRÊA
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