quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Ensaio ao Marquês II


       Dos milhares de espermatozoides repousados nos testículos de Bukowski, e, ejaculados em alguns pares de barrigas de aluguel, pariu-se, cada qual a seu modo, em alguns cantos do globo, algumas dúzias de Jeannie Nitro.
       Saiu às ruas, o corpo celeste pusera-se a oeste há algumas horas. A cidade era iluminada por sóis amarelados e artificiais; viu um letreiro vermelho e entrou no purgatório.
       Não enxergava muita coisa com as luzes apagadas, embora, entre os flashes, conseguisse perceber a moda das mulheres; usavam saias curtas, algumas, em seus rebolados, era possível ver a polpa de sua... fruta. No disparo das luzes estroboscópicas, avistou dançando perto do bar, Jeannie, uma velha amiga. Na verdade, Jeannie ainda era jovem, quem estava velho era ele. Decidiu se aproximar, a moça logo o percebeu, fez sinal com a cabeça e sorriu mostrando uma arcada dentária perfeita. Jeannie tinha uma roupa comportada, se comparada com as demais moças, mas também mostrava longas e lisas pernas que logo se enroscaram nas dele. Com os quadris colados, sem se importar com a exaltação de (...), Jeannie passou seus dedos de veludo por todo ele. Tudo era convulsivante, os disparos das luzes eram como pancadas na sua cabeça. Vamos sair daqui, nem tenho mais idade para isso – ele disse. E decidiram ir embora.
       Já em sua casa, sentou-se na beira da cama, perto da cômoda, enquanto Jeannie utilizava o banheiro. Instintivamente olhou para o lado, a presilha já fazia parte da decoração em sua cabeceira; bagunçada, ao lado de seus óculos. Era rosa, de plástico, o mau gosto do acessório era acompanhando, sem dar importância, pelo jeito de vestir da dona. Era assim que se lembrava, segundo as raras vezes que se viram e se deitaram. O corpo não era atlético como o de Jeannie, seus únicos gomos lhe eram umas poucas sobras de pele. Os olhos, por sua vez, o feriram a cada encontro. Era um disparate imaginar que eles poderiam saber mais que os seus próprios. Eram de canto, baixos, ou pior, fixos. Subliminares, dissimulados em ironia, perversos em dialética. Porra! Carregavam muita informação.
       Acendeu um cigarro – você podia me amar, menina – disse a si mesmo – só para minha vaidade.
                - Por vaidade mesmo?
                - Do que você está falando, garota?
                - Quer ser meu amor?

        Teve vontade de esfolar aquele rosto de porcelana – “Quer ser meu amor?” Cacete! –, pensou em mandá-la embora, mas apenas acenou a cabeça.
                - Deita aí.

Ensaio ao Marquês

Tinha, há muito tempo, decidido não escrever sobre amor. Mas não era amor propriamente dito; romantismo lhe cansa, achava um tema clichê. Em todos os cantos os aspirantes só falavam disso, e muito mal. Apenas o ler daquela conjuntura de palavras grudentas entre si fazia irromper a glicose de sua arteria aorta, supondo que sim, havia um pouco de doçura naquele coração, circulando por toda e qualquer corrente que lhe pulsasse sangue, inundando suas células de gordura e um tipo de proteína nociva. Era uma overdose! Uma verdadeira saturação. Sua diabetes subia e sentia uma espécie de glaucoma nas vistas.
Jogou os óculos na cômoda bagunçada onde jazia a presilha esquecida dela. Ponderou jogá-la no cesto de lixo, antes deu uma última olhada. Lembrou-se de alguns detalhes; sorrisos, dentes, olhares. Fez pinturas lascivas deles em sua memória, pôs e tirou a mão da calça. Emergiu em considerações.
Nas vezes subsequentes os lábios ficariam mais sedosos – ele pensou – a língua mais solta e os dentes mais travessos. Toda uma pele frisante e senciente. Ele teve saudade, provavelmente um pouco tarde, dos lábios pressionados em seus.
Em seus próprios, em seu ouvido, em seu peito, em seu tórax, em seu estômago, em seu, em seu, seu...
Guardou com cuidado a presilha.