domingo, 12 de junho de 2011

Diálogo em um Ato


Ato I

Personagens
Pedro Henrique: Matemático
Rita: Dona do bar Speranza
Rodrigo: Filósofo

ATO I

Cena I

(Do meio de uma multidão, simulada por um sons e um telão no fundo do palco, entra Pedro Henrique que caminha para uma viela tranquila enquanto fala consigo mesmo.)
Pedro Henrique: (assustado olhando para trás) Como posso me sentir isolado e com claustrofobia ao mesmo tempo? Talvez este seja meu problema: eu penso demais. Deus, quanta gente. (reflexivo) Talvez eles estejam pensando também. Mas, eles pensam em quê? Quem sabe eu pense alto demais. O que eu necessito é não necessitar; é viver o momento.
(Pedro Henrique desce as escadas de uma taberna, guiado por um letreiro em azul neon escrito “Speranza”. Senta-se nos bancos altos do balcão, ao lado de Rodrigo, pede um café, tira um jornal de sua maleta e começa a rabiscar. Pedro Henrique demonstra um semblante exaltado com o que rabisca até ser quebrado por uma expressão de decepção)

Rodrigo: O que foi, filho? Não conseguiu chegar ao resultado da conta?
Pedro Henrique: (introspecto) Não, não consegui.
Rodrigo: Parecia muito importante para você chegar a essa conclusão.
Pedro Henrique: Sim, é o trabalho de toda uma vida.
Rodrigo: Toda uma vida baseada em uma conta?
Pedro Henrique: (coagido) Sim
Rodrigo: Mas, baseado em que acha isso possível?
Pedro Henrique: Sou um matemático teórico, acredito que a matemática é a linguagem da natureza.
Rodrigo: Certo, e...?
(Pedro Henrique adiciona uma colher de açúcar ao seu café)
Pedro Henrique: Está vendo esse espiral que o açúcar fez em meu café?
Rodrigo: Sim, vejo.
Pedro Henrique: A natureza provou que em tudo nela há padrões, não é uma reta linear mas, uma repetição cíclica. Algumas evidências são os ciclos das epidemias, os ciclos das manchas solares, as cheias e baixas do Nilo... Acredito que eu possa achar um padrão para o universo calculando o seu número, o número da circunferência, do PI.
Rodrigo: E daí você se anteciparia a tudo? Teria todas as respostas?
Pedro Henrique: Sim! Acredito que tudo o que rege o mundo parte de um mesmo mecanismo, só variando de escalas maiores e menores. Basta ter a resposta de um padrão para entender o todo.
Rodrigo: (brincando) Santo Deus, que papo maluco, garoto! (escárnio) Rita venha cá, me traga uma dose bem forte, vou precisar para escutar essas teorias. (Rodrigo volta a falar com bondade) Garoto, você já ouviu falar no jogo de tabuleiro go?
Pedro Henrique: Sim, já joguei algumas vezes.
Rodrigo: Os japoneses consideram o tabuleiro do go um microcosmo do universo, embora vazio ele pareça simples e ordenado, as possibilidades de jogadas são infinitas. Dizem que nunca houve duas partidas iguais. Portanto o tabuleiro do go, representa um universo complexo e caótico. E essa é a realidade do nosso universo, rapaz, não pode ser definido pela matemática, não pode ser definida por uma simples ordem.
Pedro Henrique: (contrariado) Mas quando o jogo avança as possibilidades diminuem e surge-se um padrão, as jogadas podem tornar-se previsíveis.
Rodrigo: E daí?
Pedro Henrique: E daí que mesmo que não sejamos sofisticados o suficiente haja um padrão subjacente a cada jogada.

Cena II
(Rita, a dona do bar, com seus 48 anos de idade, etnia latina e muito bem conservada voltava ao balcão com uma dose a Seu Rodrigo)
Rita: (sorrindo) Aqui está sua dose, Seu Rodrigo.
Rodrigo: (condescendente) Como está seu dia hoje, Rita?
Rita: (irônica) Cada dia se aproxima ainda mais do dia que terei de fazer isso outra vez.
Rodrigo: Está se referindo a repetição dos dias?
Rita: (com um ar de cansaço) Bendita rotina! (pausa reflexiva) Tenistas comem bananas!
Pedro: (confuso) O quê? Tenistas e bananas?
Rita: Os esportistas achavam que deveriam comer pedaços de laranjas, então alguém pensou em banana. Potássio. Pronto! Sem câimbras.
(Rita faz uma pausa para servir uma dose a si mesma)
Rita: O que eu quero dizer é que talvez, apenas talvez, em alguns aspectos de nossas vidas nos estamos comendo laranjas quando deveríamos estar considerando a hipótese de comer bananas,
Rodrigo: Entendo o que quer dizer.
Rita: (sorrindo) Você é um intelectual, Seu Rodrigo.
Rodrigo: Você está dizendo isso apenas por dizer.
Rita: (irônica) De que outra maneira poderia me comunicar?
Rodrigo: Então, rapaz você está querendo se tornar um deus com a sua matemática?
Pedro Henrique: Seria muita audácia. Quero dizer, essa coisa de ser Deus.
Rodrigo: Acho que nosso ponto de vista, no mundo contemporâneo, é fácil acreditar que a ciência vai tomar o lugar de Deus. Mas, alguns problemas filosóficos irão continuar dando trabalho, como o problema da vontade livre. Este problema existe há muito tempo, desde antes de Aristóteles, em 365 antes de Cristo. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, esses homens ficavam preocupados em como podemos ser livres, se Deus já sabia tudo o que íamos fazer.
Pedro Henrique: Estaríamos sempre um passo atrás, como se nossos movimentos fossem premeditados.
Rodrigo: Sim. Hoje em dia sabemos que o mundo funciona de acordo com algumas leis físicas fundamentais, e essas leis governam o comportamento de cada coisa no mundo. Agora, essas leis porque são tão confiáveis permitem incríveis avanços tecnológicos. Mas, olhe para você: também somos sistemas físicos, não é? Também somos combinações complexas de moléculas de carbono. Somos maioria água e nosso comportamento não vai fugir a esta regra. Então, começa a parecer, se Deus já planeja tudo com antecedência ou se essas leis físicas básicas governam tudo, que a livre vontade não passa de uma utopia.
Pedro Henrique: Por isso eu lhe digo, deve haver um padrão. Não concorda?
Rodrigo: Não gosto dessa ideia. Isso é uma agressão à concepção de quem você é. Você só pode ser admirado ou censurado pelas atitudes que toma pela vontade livre, a vontade própria.
Pedro Henrique: (taciturno) Estas questões apenas estão emancipando minhas dúvidas.
Rita: Rapaz, você pensa demais. Procura respostas demais, quando na verdade deveria estar se divertindo. Um jovem tão bonito, aposto que não tem uma garota esperando por você, só números. Estou certa?
Pedro Henrique: (tímido) Sim.
Rita: Há quanto tempo não se diverte? Não sente prazer nas coisas além dessa obsessão por respostas, conhecimento? Você sai e consegue se divertir? Aposto que se sente inquieto em uma roda de amigos.
Pedro Henrique: Sim, parece-me perda de tempo.
Rita: Cuidado! Cuidado! Já escutei muita história de homens assim, que simplesmente esqueceram a verdadeira beleza, as pequenas coisas, e quando viram, estavam queimando seus livros se perguntando o porquê de se perguntarem.
(Rodrigo gargalha)
Pedro Henrique: Não sei o que pensar, Senhor.
Rodrigo: Ninguém nunca sabe.
Pedro Henrique: Deve haver um padrão.
Rodrigo: Deve haver uma razão.
Pedro Henrique: (com certa agonia) Santo Deus!
Rodrigo: Rapaz, está vendo aquele peixe no aquário atrás do balcão? O nome dele é Arquimedes, foi um presente meu à Rita. Você conhece sua história, a história do matemático?
Pedro Henrique: Não me recordo.
Rodrigo: Arquimedes foi desafiado pelo rei a descobrir se um presente que fora lhe dado era realmente ouro.
Pedro Henrique: E Arquimedes tinha a resposta?
Rodrigo: Não, era um problema insolúvel na época.
Pedro Henrique: E como ele resolveu essa situação? Foi morto pelo rei?

Rodrigo: Arquimedes ficou atormentado, perdeu o sono, e, sua mulher, que era obrigada a dormir ao seu lado, igualmente exausta, lhe pediu que relaxasse e fosse tomar um banho. Ao entrar na banheira Arquimedes percebeu que a água subia. Deslocamento. Eureca! Um jeito de determinar o volume, densidade. E assim ele resolveu o problema...
Rita: Escute o homem, vá para casa e tome um banho. Não existem respostas no caos.
Pedro Henrique: Certo! Ah, Senhor! Está sempre por aqui?
Rodrigo: Sim, rapaz.


(Pedro Henrique sorri e sai de cena, as luzes se apagam.)
















Exercício: considerações pessoais, mais adaptação dos filmes em diálogo de um ato: Pi, o filme (Pi Movie), Despertando para a vida (Waking life), e Eu realmente odeio meu trabalho (I really hate my job).

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