"O relógio despertava aumentando seu volume gradativamente ao decorrer dos segundos. A velha criada sentindo-se parte da família penetrava no quarto bruscamente. Após balbuciar algumas palavras escancarou a janela, o feixe de luz espalhava-se por todo o cômodo, ofuscando o negro que ali jazia. Mila estava com o rosto ainda enfiado no travesseiro, sendo visível apenas um de seus olhos rubros de cansaço.
Não tenho vontade de mover um só músculo – pensou – nada nesse dia, nem em outros, me motiva. A flor de seu coração estava agora como pétalas ao chão, fragmentado como estilhaços de um espelho onde cada fração refletia em uma sensação do passado.
A juventude está rompendo comigo – continuou a pensar sentindo seus músculos – o peso da velhice me corteja com as responsabilidades e compromissos que apagam tudo aquilo que um dia já foi onírico. Ah! A falta do peso dos anos produzia o espetáculo do novo e enchia o fôlego de expectativas, apresentando o futuro como uma caixa de surpresas galanteada por um pierrô coberto de serpentinas. Mas, as intempéries do destino mostraram-me um caixa de Pandora, uma guerra da qual me postei em seu front e como São Miguel vesti minha armadura para aprisionar os demônios."
Trecho do conto, "O estranho".
Autor: Thalita Noce
Publicação: Antologia Delicatta III, Editora Scortecci - São Paulo.
domingo, 23 de maio de 2010
O Estranho
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Ahh, o tal sentimento de velhice.. Quem nunca sentiu q atire a primeira pedra.. É incrível como vc consegue transformar pensamentos e setimentos em palavras...
ResponderExcluirconcordo com a Mel...
ResponderExcluirow ow.. odeio esse lugar pra colocar comentário!!!
Me sinto velho mas até a velhice tem seu charme!
ResponderExcluirA velhice é um fato. mas se você mantém uma atividade com dedicação, o tempo não passa.
ResponderExcluirCom 83 anos, o acadêmico Rubem Fonseca publicou mais um romance, "O Seminarista", em 2009, com uma linguagem, estilo e idéia de qualquer jovem de talento.
Parabéns pelo texto, Thalita.
Carinho,
Jorge