quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Ensaio ao Marquês

Tinha, há muito tempo, decidido não escrever sobre amor. Mas não era amor propriamente dito; romantismo lhe cansa, achava um tema clichê. Em todos os cantos os aspirantes só falavam disso, e muito mal. Apenas o ler daquela conjuntura de palavras grudentas entre si fazia irromper a glicose de sua arteria aorta, supondo que sim, havia um pouco de doçura naquele coração, circulando por toda e qualquer corrente que lhe pulsasse sangue, inundando suas células de gordura e um tipo de proteína nociva. Era uma overdose! Uma verdadeira saturação. Sua diabetes subia e sentia uma espécie de glaucoma nas vistas.
Jogou os óculos na cômoda bagunçada onde jazia a presilha esquecida dela. Ponderou jogá-la no cesto de lixo, antes deu uma última olhada. Lembrou-se de alguns detalhes; sorrisos, dentes, olhares. Fez pinturas lascivas deles em sua memória, pôs e tirou a mão da calça. Emergiu em considerações.
Nas vezes subsequentes os lábios ficariam mais sedosos – ele pensou – a língua mais solta e os dentes mais travessos. Toda uma pele frisante e senciente. Ele teve saudade, provavelmente um pouco tarde, dos lábios pressionados em seus.
Em seus próprios, em seu ouvido, em seu peito, em seu tórax, em seu estômago, em seu, em seu, seu...
Guardou com cuidado a presilha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário